09/06/2016 18:49

EMPRÉSTIMOS VOLUNTÁRIOS OU ESTELIONATO SENTIMENTAL?

Como é cediço, um dos grandes segredos para a consolidação de um relacionamento duradouro e estável é o auxílio mútuo entre as partes. Esse, que constituiu um dever no âmbito do casamento, conforme dispõe o artigo 1.566 do Código Civil, também vem sendo cada vez mais praticado nas relações que estão se iniciando, tais como entre casais de namorados, que optam por se ajudarem, tanto psicologicamente, quanto financeiramente, buscando a manutenção do seu relacionamento e o progresso de vida em comum.

Inexiste, a priori, a possibilidade de se pleitear a restituição de valores eventualmente desembolsados no âmbito da relação amorosa firmada, por caracterizar-se como despesa assumida de forma espontânea, com caráter de liberalidade, buscando quem sabe a evolução do relacionamento do casal.

Assim, considerando que a legislação civilista brasileira exige para que haja a possibilidade de indenização, que o fato praticado pela parte seja considerado “ato ilícito”, ou seja, contrário ao ordenamento jurídico, e no caso, o auxílio financeiro prestado entre os casais, como acima trazido, é realizado de forma voluntária e espontânea, inexiste qualquer ato ilícito praticado, estando afastada, pois, a hipótese de qualquer restituição ou indenização de eventuais quantias dispendidas.

Ocorre que, embora o ordenamento jurídico não preveja expressamente a possibilidade de restituição de valores desembolsados no âmbito do auxílio mútuo, o judiciário vem coibindo práticas abusivas que deverão ser apuradas caso a caso.

            Sobre essa questão foi amplamente noticiada nos meios jurídicos a ação de indenização proposta perante a 7ª Vara Cível de Brasília-DF, processo nº 2013.01.1.046795-0, em que a Autora alega que manteve relacionamento amoroso com o Réu e que durante todo o período em que permaneceram juntos teria desembolsado valores para despesas pessoais dele, além de ter sido compelida a realizar empréstimos para pagamentos de dívidas, que atingiram o montante de R$101.537,71 (cento e um mil reais e quinhentos e trinta e sete reais e setenta e um centavos).

Assim, o juiz do caso entendeu que, da análise dos documentos juntados, a Autora, em que pese ter desembolsado os valores ao Réu no âmbito do auxílio mútuo, decorrentes do relacionamento amoroso firmado, valores que em tese não seriam passíveis de qualquer restituição, teria gerado na Autora uma expectativa legítima de que quando atingisse uma estabilidade financeira, restituiria os valores a ele entregues no curso da relação, fato não observado e que constituiu ato ilícito ensejando a possibilidade de ressarcimento à Autora dos valores desembolsados.

Pontuou que “embora a aceitação de ajuda financeira no curso do relacionamento amoroso não possa ser considerada como conduta ilícita, certo é que o abuso desse direito, mediante o desrespeito dos deveres que decorrem da boa-fé objetiva (dentre os quais a lealdade, decorrente da criação por parte do réu da legítima expectativa de que compensaria a autora dos valores por ela despendidos, quando da sua estabilização financeira), traduz-se em ilicitude, emergindo daí o dever de indenizar.”.

Sendo assim, a ação foi julgada parcialmente procedente para condenar o Réu ao pagamento dos danos materiais suportados no curso do relacionamento, entendendo pela improcedência do pedido de danos morais, por constituir o término de um relacionamento amoroso mero dissabor comum a vida cotidiana, sentença que foi mantida pela 5ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (Apelação nº 20130110467950).

            Desse modo, é importante frisar que o auxílio financeiro prestado no âmbito do auxílio mútuo não é indenizável, por de fato caracterizar-se como despesa de caráter espontâneo, contudo, no caso em tela, o cerne da questão para procedência dos pedidos da Autora foi o fato de que o Réu não agiu com o dever de boa-fé e a conduta que lhe era esperada, se valendo da vulnerabilidade da namorada querendo lhe auxiliar no relacionamento, induzindo ela a acreditar que receberia o dinheiro emprestado no futuro, para auferir vantagem econômica, ou seja, houve um abuso por parte do Réu, passível de indenização pelo judiciário.

(TJDF, processo nº 2013.01.1.046795-0).

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